quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

terça-feira, 3 de julho de 2012



Desafios e recursos para a solidariedade, a fraternidade, a reconciliação e a paz na era global.
 

1.     A globalização da solidariedade e da fraternidade
Em todo o processo pedagógico que respeite a dignidade da pessoa humana, é crucial a orientação sistémica dos processos globalizadores tendentes a ser veículos de transmissão da solidariedade e da fraternidade, promovidas, realizadas e intensificadas na cooperação, na colaboração e na interdependência. Queremos aqui afirmar que a globalização, com todas as facilidades que oferece a nível da comunicação, contacto e interações de todo o tipo, pode ser um grande recurso à disposição de todos para promover a difusão-assunção livre e consciente da solidariedade, da caridade e da fraternidade, quer a nível individual quer social. O mesmo se diga da reconciliação e da paz!
A fluidez de movimento, a inovação dos meios de intervenção e a comunicação digital permitem cuidar de quem passe por várias dificuldades mesmo que se encontre a uma distância de milhares e milhares de kilómetros de nós.  Todos os gestos que temos vindo a assistir um pouco por todos os continentes – por ocasião de calamidades naturais como cheias devastadoras, terramotos, ciclones e crises de vária ordem – nos permitem acreditar que quando o detentor da tecnologia de ponta  tem um coração capaz de se comover e envidar todos os esforços a fim de encontrar uma solução sem esperar por muitas telecâmaras, então essa ( a tecnologia) se torna eficaz e eficiente no bem. Quando, pelo contrário, a tecnologia é detida por quem respira ódio, cobiça e orgulho, ela se torna também eficaz na produção e reprodução de violências e morte. E o pior acontece quando se pensa que se possa dar cobro a essas emergências com armas na mão: por mais sofisticadas que essas sejam, elas atingem também o pacato cidadão inocente que se encontra além do alvo preconizado; e não livram do terror o seu portador que se torna num eterno inseguro defensor-atacante em duas alas do campo (direita e esquerda sem jamais se posicionar como meio-campista nem como defesa central), com redondas falhas de passes para o ponta de lança e com muitos auto-golos consentidos. Resultado: pânico dos adeptos na bancada!


2.     Será que a segurança global gerou a insegurança global, que invadiu o subconsciente colectivo de muitos Estados?

É preciso pôr as novas tecnologias, facilitadas pela globalização, ao serviço da promoção da justiça, da paz, do diálogo e do respeito pelo bem comum. Deste modo, as pessoas singulares e povos deste século XXI poderão aproximar-se uns dos outros despidos de todo o tipo de preconceito e fobia, relançando pontes de reconciliação mais largas e compridas.

Na globalização é preciso promover iniciativas tendentes a sustentar o desenvolvimento integral do homem e da mulher e a justa cooperação entre as nações. A propósito, João Paulo II no seu encontro com o mundo sindical em Tor Vergata –Roma no ano 2000 disse que o fenómeno da globalização hoje deveria ser governado com sabedoria, que visasse mesmo a “globalização da solidariedade”. Na mesma perspectiva, nós falamos da necessidade de globalizar a paz, globalizando antes de tudo a justiça social recorrendo a meios pacíficos.

Tal compromisso é actualmente reafirmado por Bento XVI, quando na Caritas in Veritate afirma che a ajuda internacional dentro de um projecto solidarístico que visa a solução dos actuais problemas económicos deveria apoiar a consolidação dos sistemas constitucionais, jurídicos e administrativos nos Países que ainda não beneficiam plenamente desses bens.
Mas é preciso não limitar-se às ajudas económicas; ao lado dessas é necessário que estejam aquelas que visam reforçar as garantias de um Estado de direito, um serviço de ordem pública e prisional eficiente, no respeito dos direitos humanos e instituições verdadeiramente democráticas. Neste caso, o Papa entende a globalização como um processo sócio-económico, mas acrescenta imediatamente que esta não é a única sua dimensão. Existe também o desafio da realidade de uma humanidade que se torna cada vez mais interconexa, nós diríamos “quase interculturada”; e essa é constituida por pessoas e povos a quem o processo da globalização deve ser útil transformando-se em factor de desenvolvimento, o que só é possível se cada parte (individuo ou grupo) assumir as suas responsabilidades.  

A superação das fronteiras não é apenas um facto material, mas deve concretizar-se a nível cultural nas suas causas e nos seus efeitos. A globalização é uma realidade humana e pode ser produto de várias tendências culturais sobre as quais se requer fazer um discernimento.

A verdade da globalização como processo e o seu critério ético fundamental se dão pela unidade da família humana e pelo seu desenvolvimento equo. É preciso, com efeito, empenhar-se incessantemente para favorecer uma orientação cultural personalista e comunitária do processo de integração planetária, aberta à transcendencia[1]

Portanto, para fazer face ao desafio da globalização, qual fenómeno e processo complexo, é preciso a conjugação de opções que estejam à altura de dar uma resposta cada vez mais global[2]: eis a tarefa da política, enquanto assenta na dignidade da pessoa humana e da mesma se torna garante, dentro dos parâmetros de um grupo social e cultural específico.

De facto, «a globalização é um processo de integração; não é realístico enfrentá-la com enfoques sectoriais muito diversificados. Não se pode obter uma globalização justa apoiando-se numa série de decisões diversificadas sobre questões como o comércio, as finanças, o trabalho, a educação ou a saúde, concebidas e aplicadas indepentemente. Um processo de integração precisa de soluções integradas e, obviamente, de políticas integradas»[3].

Enfim, a globalização da solidariedade e da fraternidade deve impregnar todos os sectores cujos efeitos de uma globalização desmoralizante e opressora, ávida do lucro egoístico, possam criar fogueiras acesas de injustiças e violação de tantos direitos do homem, que mantêm muitas pessoas e tantos povos do mundo reféns de uma condição de subdesenvolvimento em estado crónico avançado.  

Para os cristãos, a globalização da solidariedade e da fraternidade não se deve limitar a discursos teóricos ou a conceitos, mas deve transformar-se em mecanismo de desenvolvimento baseado na caridade evangélica: somos todos irmãos e ninguém tem o direito de privar o outro da sua dignidade, seja ele quem for. É aqui onde os cristãos, sobretudo aqueles que desempenham funções públicas, mas também gestores, empresários e empreendedores, consagrados, agentes de fiscalização a nível financeiro, económico e político, são desafiados a dar um novo rosto de fraternidade e de ética às instituições e às relações entre pessoas, povos e culturas. Não basta a contestação, não basta dizer “no global” – slogan de muitas associações e movimentos no-global – mas é preciso identificar os pontos fracos de tal fenómeno e injectar-lhe um remédio capaz de gerar novas oportunidades para a construção de relações humanas sadias.  



[1] Cfr. CIV,  41-42.
[2] De acordo com Bauman, nesta era de globalização, para além dos resultados positivos de que a mesma é portadora, todos os problemas  a ela subjacentes são globais, ou seja têm origem global e  da globalização tiram a seiva vital  e, portanto, a sua resolução não pode ser deixada apenas para as iniciativas locais (Cfr. Z. BAUMAN, Modus vivendi. Inferno e Utopia del mondo liquido, Bari, Laterza, 2007, p. 27).
[3] J. SOMAVIA, La sfida per una globalizzazione più giusta, Genève, Organizzazione Internazionale del Lavoro, 2005,  p. 12;  Cfr. também M. TOSO, La speranza dei popoli. Lo sviluppo nella carità e nella verità. L’enciclica sociale di Benedetto XVI letta e commentata da Mario Toso, Roma, LAS, 22010, p. 64.